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Quadros de mérito? "Corremos o risco de reforçar uma cultura de comparação crónica"

  • Foto do escritor: Ana Rita Rebelo
    Ana Rita Rebelo
  • 27 de jun.
  • 5 min de leitura

A propósito do final do ano letivo, falámos com uma psicóloga sobre quadros de mérito e do impacto emocional que podem ter nos alunos.



O fim das aulas não é sinónimo de alívio para todos. Para muitos alunos, a ansiedade intensifica-se. "Quando os alunos sentem que o seu valor depende exclusivamente das notas que obtêm, começam a viver num modo de sobrevivência emocional", alerta a psicóloga Amélie Dionisio, da clínica online PINKMIND, em entrevista à hAll.


Entre os fatores que contribuem para estes "nervos à flor da pele" estão práticas aparentemente inofensivas, como os quadros de mérito. "Podem criar uma dinâmica de comparação e competição que exclui mais do que inclui. Há alunos que se superam todos os dias, mesmo sem atingir os critérios de excelência académica. Reconhecer apenas os melhores resultados perpetua a ideia de que só alguns merecem ser vistos. E isso tem consequências profundas na autoestima de quem fica fora desse pódio, ano após ano", adverte a especialista.


Mais: "Corremos o risco de reforçar uma cultura de comparação crónica, que mina a cooperação, a empatia e o prazer de aprender em conjunto. O mérito pode e deve ser reconhecido de forma mais ampla, plural e humana".


É normal que os alunos sintam ansiedade no ano letivo?


Sim, é absolutamente normal. Estamos perante um momento de elevada exigência cognitiva, física e emocional. O corpo reage a este tipo de pressão com níveis aumentados de tensão, nervosismo, dificuldade de concentração ou até alterações no sono e no apetite. A ansiedade moderada pode, até certo ponto, ser adaptativa e ela ajuda-nos a mobilizar energia e foco. No entanto, quando se torna constante, intensa e interfere com o bem-estar e o rendimento, devemos estar atentos. É aí que deixa de ser "normal" e começa a ser sinal de um mal-estar que precisa de ser acolhido.


Há sinais de alerta a que os pais e professores devem estar atentos?


Sim. Existem manifestações físicas, comportamentais e emocionais que podem indicar que o aluno está a viver um nível elevado de stress, tais como: irritabilidade ou choro fácil; dores de cabeça ou de estômago frequentes; alterações do sono (insónia ou sonolência excessiva); dificuldade de concentração; apatia ou desmotivação repentina; isolamento social; e comentários autocríticos como "não sou capaz" ou "vou falhar". É importante não desvalorizar estes sinais. Um adolescente pode não dizer diretamente "estou ansioso", mas o corpo e o comportamento falam por ele. A escuta atenta, sem julgamento, é o primeiro passo.


Embora a intenção dos quadros de mérito seja, muitas vezes, positiva, na prática podem criar uma dinâmica de comparação e competição que exclui mais do que inclui.

Como podem os adultos incentivar o esforço e dedicação sem caírem no perfeccionismo?


A chave está na forma como elogiamos e valorizamos o percurso. O foco deve estar no processo, não apenas no resultado. Incentivar o esforço é dizer "a tua dedicação foi incrível", "gostei de ver a forma como organizaste o teu tempo", "notei que deste o teu melhor"... Por outro lado, é essencial evitar frases como "tens de ser o melhor" ou "não podes falhar". Estas mensagens, mesmo que involuntárias, podem instalar uma ideia de que o valor da criança ou jovem depende exclusivamente do seu desempenho. O perfeccionismo não é um traço positivo é um sintoma de medo. E ninguém aprende com prazer quando está a tentar constantemente provar o seu valor.


A pressão para ter boas notas pode, então, afetar a saúde mental das crianças e jovens?


Sem dúvida. A pressão académica constante pode originar estados de ansiedade generalizada, baixa autoestima, sentimentos de inadequação e até quadros depressivos. Quando os alunos sentem que o seu valor depende exclusivamente das notas que obtêm, começam a viver num modo de sobrevivência emocional. Tudo passa a girar em torno do desempenho, deixando de haver espaço para o erro, para a experimentação e até para o prazer de aprender. Mais do que nunca, é fundamental cultivar uma cultura onde o bem-estar não seja sacrificado em nome da

performance.


Como é que um aluno pode lidar com a frustração de não atingir os resultados esperados, mesmo tendo-se esforçado?


Em primeiro lugar, é preciso validar a dor. Frases como "não faz mal" ou "para a próxima consegues" podem ser bem-intencionadas, mas soam vazias quando o que o aluno precisa é de sentir que a sua frustração foi compreendida. Podemos dizer: "Imagino como deve ser frustrante, depois de tanto esforço" ou "estás triste e isso faz sentido". Só depois de escutada a emoção, faz sentido ajudar o aluno a refletir sobre o que correu menos bem e o que podia ter sido feito de outra forma e o que é que aprendeu com esta experiência. Aprender a lidar com a frustração faz parte do desenvolvimento emocional. É uma competência que se constrói com apoio, e não com pressão.


Se houver sinais persistentes de ansiedade, desmotivação ou sofrimento emocional, procurar apoio psicológico é uma atitude de cuidado e não uma medida de último recurso.

Enquanto psicóloga, entende que os quadros de mérito e honra podem ser mais prejudiciais do que motivadores? Corremos o risco de estar a criar uma cultura de comparação constante entre alunos?


Sim. Embora a intenção dos quadros de mérito seja, muitas vezes, positiva, na prática podem criar uma dinâmica de comparação e competição que exclui mais do que inclui. Há alunos que se superam todos os dias, mesmo sem atingir os critérios de excelência académica. Reconhecer apenas os melhores resultados perpetua a ideia de que só alguns merecem ser vistos. E isso tem consequências profundas na autoestima de quem fica fora desse pódio, ano após ano. Corremos o risco de reforçar uma cultura de comparação crónica, que mina a cooperação, a empatia e o prazer de aprender em conjunto. O mérito pode e deve ser reconhecido de forma mais ampla, plural e humana.


Que estratégias e dicas recomenda a alunos que estejam a sentir-se desmotivados?


A desmotivação pode ter muitas origens: cansaço, frustração, falta de sentido, desorganização ou até uma autocrítica excessiva. Algumas estratégias que recomendo são estabelecer metas pequenas e concretas, como estudar 30 minutos de uma matéria específica, ao invés de "estudar tudo"; usar métodos visuais e criativos (mapas mentais, esquemas, vídeos explicativos); pausas regulares e dar ao cérebro tempo para descansar; recompensar pequenos progressos; conversar com alguém de confiança sobre o que está a sentir; e pedir ajuda, lembrando que não é sinal de fraqueza, mas de maturidade emocional. Recomeçar, mesmo quando tudo parece estar a correr mal, é muitas vezes o ponto de viragem.


E que conselhos daria aos pais que estão preocupados com o desempenho escolar dos filhos?


Antes de mais, lembrar que a preocupação dos pais nasce quase sempre do amor. Queremos que os filhos se sintam bem, que tenham oportunidades e sucesso. Mas, por vezes, no meio dessa intenção tão genuína, o foco nos resultados pode tornar-se uma fonte de pressão e não de apoio.

A verdade é que os filhos não precisam de pais que saibam tudo. Precisam, acima de tudo, de sentir que não têm de provar nada para merecer amor, cuidado ou atenção. Como tal, recomendo, em primeiro lugar: escutar sem dramatizar. Mostrar que estão presentes, sem pressionar, é essencial. Frases como "estamos aqui para te apoiar, aconteça o que acontecer"; "sabemos que estás a dar o teu melhor", "mais importante do que a nota é saberes que podes contar connosco"... Os filhos precisam de saber que o amor dos pais não depende de resultados. Quando sentem esse apoio incondicional, tornam-se mais seguros, confiantes e, muitas vezes, até melhor preparados para enfrentar desafios. Se houver sinais persistentes de ansiedade, desmotivação ou sofrimento emocional, procurar apoio psicológico é uma atitude de cuidado e não uma medida de último recurso.

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