Redes sociais. Afinal, até onde deve ir a vigilância dos pais?
- Ana Rita Rebelo
- 30 de jun.
- 5 min de leitura
No Dia Mundial das Redes Sociais, falámos com uma psicóloga para perceber de que forma as redes sociais estão a impactar emocionalmente as novas gerações e como os pais podem (ou devem) agir.

Para a psicóloga clínica Andreia Filipe Vieira, especialista em psicoterapia psicodinâmica, a resposta é clara: "Tal como na vida fora das redes, a supervisão parental não deve ser confundida com controlo. Estar atento, conversar, perguntar, mostrar interesse genuíno pelo que os filhos fazem online, sem recorrer a práticas intrusivas ou invasivas, é, muitas vezes, mais eficaz do que monitorizar diretamente os perfis ou as conversas". "Quando há confiança, diálogo aberto e segurança emocional, os próprios jovens tendem a partilhar mais espontaneamente as suas experiências online", refere em entrevista à hAll, a propósito do Dia Mundial das Redes Sociais, que se assinala esta segunda-feira, 30 de junho.
"Acredito profundamente que o caminho passa pela educação para o uso consciente, crítico e responsável das redes sociais. Educar não significa apenas alertar para os riscos, mas também ajudar os jovens a refletir sobre quem são no mundo digital, que imagem constroem de si, que relações estabelecem e que impacto isso tem na sua vida emocional", acrescenta ainda.
De que forma é que as redes sociais influenciam o desenvolvimento social das crianças e jovens?
Do ponto de vista psicodinâmico, sabemos que o desenvolvimento da identidade, da autoimagem e das relações interpessoais se constrói, sobretudo na infância e na adolescência, através das interações com os outros e da interiorização dessas experiências. As redes sociais acabam por funcionar como um novo palco relacional, no qual as crianças e os jovens procuram validação, pertença e reconhecimento.
Na relação pais-filhos, especialmente na adolescência, é fundamental que haja espaço para a construção de uma identidade autónoma, para a experimentação e até para o erro. O espaço privado, que pode incluir a dimensão online, é importante.
Que impacto têm os likes e os números de seguidores?
Os likes e os números de seguidores tornam-se uma forma muito concreta, quantificável, de
obter aprovação externa. Isto pode alimentar dinâmicas internas de dependência da validação dos outros, fragilizando, por vezes, a construção de uma autoestima mais sólida e autónoma. Este tipo de reforço externo, se excessivo, pode dificultar o desenvolvimento de um sentido de valor próprio que seja mais interno, mais ancorado na experiência emocional e nas relações significativas fora do espaço digital.
Enquanto especialista, defende uma idade ideal para as crianças começarem a usar redes sociais ou entende que tudo depende do grau de maturidade?
Na verdade, a questão não é apenas cronológica, mas sim profundamente ligada ao grau de maturidade emocional, ao desenvolvimento da capacidade reflexiva e à estruturação da identidade da criança ou do jovem. De qualquer forma, em idades precoces, o uso das redes sociais exige acompanhamento, diálogo e, sobretudo, uma capacidade emocional que nem todos os jovens apresentam no mesmo ritmo. Portanto, mais do que uma idade rígida, o fundamental é avaliar se a criança ou o jovem tem recursos internos para lidar com os desafios e riscos do mundo digital.
Existem riscos associados à presença digital desde cedo?
Sem dúvida. A exposição precoce ao mundo digital pode ter impacto no desenvolvimento da capacidade de autorregulação emocional, no estabelecimento de limites internos, na diferenciação entre o eu e o outro, e até na construção de uma noção de privacidade e intimidade. Além disso, as redes sociais expõem as crianças e os jovens a dinâmicas complexas (comparação social, validação constante, exclusão, comentários depreciativos) que podem interferir com o desenvolvimento da autoestima e da segurança interna. No campo psicodinâmico, sabemos que experiências demasiado intensas ou para as quais não se está emocionalmente preparado podem ser vividas de forma traumática ou contribuir para a construção de defesas psicológicas menos adaptativas.
Os pais devem ser "amigos"/seguidores dos filhos nas redes sociais?
Esta é, de facto, uma questão muito sensível e que exige equilíbrio. Na relação pais-filhos, especialmente na adolescência, é fundamental que haja espaço para a construção de uma identidade autónoma, para a experimentação e até para o erro. O espaço privado, que pode incluir a dimensão online, é importante para que o jovem se diferencie e se reconheça como sujeito.
A vigilância, quando é o eixo central da relação, fragiliza a confiança e pode levar ao secretismo e à ocultação.
Existem formas de os pais estarem presentes na "vida online" dos filhos sem invadirem a privacidade deles? E deve um filho ter direito à sua privacidade online? Onde se traça a linha entre proteger e invadir?
Tal como na vida fora das redes, a supervisão parental não deve ser confundida com controlo. Estar atento, conversar, perguntar, mostrar interesse genuíno pelo que os filhos fazem online, sem recorrer a práticas intrusivas ou invasivas, é, muitas vezes, mais eficaz do que monitorizar diretamente os perfis ou as conversas. A linha entre proteger e invadir desenha-se na qualidade da relação: quando há confiança, diálogo aberto e segurança emocional, os próprios jovens tendem a partilhar mais espontaneamente as suas experiências online.
Como é que se aborda este tema em família de forma construtiva?
Através do diálogo, da escuta ativa e da validação das experiências dos filhos. É fundamental que os pais não assumam uma postura meramente punitiva ou moralista, mas que estejam disponíveis para compreender o que atrai os jovens nas redes, o que procuram, o que sentem. Criar momentos regulares para conversar sobre o que veem, o que os preocupa, o que os faz sentir bem ou desconfortáveis no mundo digital, permite que o tema das redes sociais não seja um tabu, mas antes uma extensão natural das conversas familiares.
Vigiar ou educar para o uso consciente e seguro das redes sociais. Qual a sua opinião?
A vigilância, quando é o eixo central da relação, fragiliza a confiança e pode levar ao secretismo e à ocultação. Acredito profundamente que o caminho passa pela educação para o uso consciente, crítico e responsável das redes sociais. Educar não significa apenas alertar para os riscos, mas também ajudar os jovens a refletir sobre quem são no mundo digital, que imagem constroem de si, que relações estabelecem e que impacto isso tem na sua vida emocional.
O que devem os pais fazer quando desconfiam de situações como cyberbullying ou exposição a conteúdos inapropriados?
O primeiro passo é sempre abrir espaço para o diálogo, sem julgamento. Perguntar, escutar
e oferecer um espaço seguro para que o filho possa expressar o que está a viver. Se se confirmar uma situação de cyberbullying, é essencial validar o sofrimento da criança ou do jovem, nunca minimizar, e procurar ajuda especializada se necessário.
Como podem os pais fortalecer a autoestima dos filhos para que não fiquem tão vulneráveis à pressão online?
A autoestima não se constrói nas redes, mas na relação, na experiência e no olhar do outro significativo. É fundamental que os pais ofereçam aos filhos uma relação em que estes se sintam vistos, reconhecidos, amados e aceites tal como são, para além de desempenhos, de resultados ou de aparências. Investir no desenvolvimento das competências emocionais, na expressão das emoções, na capacidade de lidar com a frustração e no desenvolvimento da autonomia é essencial para que os jovens não fiquem excessivamente dependentes da validação externa que as redes podem proporcionar.
E que conselhos deixaria aos jovens?
Diria aos jovens que, tal como na vida fora das redes, aquilo que se vê nem sempre corresponde à realidade. Que é importante questionarem o que sentem quando estão online, perceberem quando algo lhes faz bem e quando os faz sentir diminuídos, ansiosos ou tristes. Que a sua autoestima não deve ser medida em likes, nem o seu valor em seguidores. Que se rodeiem de pessoas que os fazem sentir bem, tanto online como fora do digital, e que nunca hesitem em procurar ajuda junto da família, dos amigos ou de profissionais quando sentirem que algo não está bem.
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