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Como consertar um "coração partido"? Falámos com os autores do livro "Virar a Página"

  • Foto do escritor: Ana Rita Rebelo
    Ana Rita Rebelo
  • 13 de mai.
  • 11 min de leitura

Atualizado: há 16 horas

Escrever sobre o seu coração partido e parar de visitar as redes sociais do seu ex-parceiro a todo o momento são estratégias que podem ajudá-lo a reconquistar o seu bem-estar e ainda a voltar a encontrar o amor, mas há mais. A hAll esteve à conversa com os psicólogos clínicos Mauro Paulino e Sofia Gabriel, a propósito do lançamento do livro "Virar a Página - Como lidar com o fim de uma relação, conquistar o seu bem-estar e voltar a encontrar o amor".



E se houvesse um guia para que nos ensinasse a remendar um coração partido? Foi isso mesmo que fizeram os psicólogos clínicos Mauro Paulino e Sofia Gabriel, autores do livro "Virar a Página - Como lidar com o fim de uma relação, conquistar o seu bem-estar e voltar a encontrar o amor", com chancela da editora PACTOR, que combina conhecimento científico com estratégias práticas para ajudar quem se sente perdido a superar o fim de uma relação.


A certa altura, os especialistas referem que existem provas de que o o amor e as drogas apresentam mais semelhanças do que aquilo que pensamos. O fim de um relacionamento é comparado com o período de abstinência de consumo de drogas. "Tende a existir um foco excessivo e obsessivo na pessoa que nos partiu o coração, acompanhado por um enorme desejo de estar com ela. No caso da droga, a pessoa pensa descontroladamente no prazer potenciado pela mesma, acompanhado pelo desejo de consumir", explica Mauro Paulino, em entrevista à hAll.


O livro "Virar a Página - Como lidar com o fim de uma relação, conquistar o seu bem-estar e voltar a encontrar o amor" (15,50€) está dividido em seis capítulos. Conta com 44 histórias reais de superação, exercícios práticos de autoconhecimento, 10 passos para curar um coração partido, 10 sinais de alerta para o início de uma nova relação e erros comuns que o impedem de seguir em frente.



Quais as "bandeiras vermelhas" numa relação amorosa?


Sofia Gabriel (SG): Existem diferentes "bandeiras vermelhas" que podemos ter em linha

de conta enquanto pistas que nos alertam para comportamentos negativos da parte do outro

que invalidam a construção de uma relação romântica saudável e que nos incitam a distanciar

dessa mesma pessoa. Um dos principais exemplos de red flag é a forma como a pessoa pela

qual se está a apaixonar interage com a sua rede social e familiar. Se, por um lado, não o apresenta à família e aos amigos após meses de relação ou recusa-se a falar do futuro, esta

pode ser uma pista de desinvestimento emocional, que tende a estar associada a uma ausência de compromisso e de responsabilidade afetiva. Por outro lado, se a pessoa se tentar infiltrar, de forma insidiosa, na sua vida familiar e no seu círculo de amigos, esta poderá ser uma falsa tentativa de demonstrar investimento emocional. Ao conquistar os seus amigos e família, fará com que não acreditem em si perante os desabafos negativos sobre o seu companheiro.


O que justifica o facto de tantas relações falharem?


Mauro Paulino (MP): O motivo do término de cada relação é único e depende de fatores distintos. A título de exemplo, a tendência para ignorar as bandeiras vermelhas, não raras vezes, pelo medo de ficar sozinho, tende a potenciar uma elevada impulsividade nas relações e a tomar decisões como ficar num relacionamento onde a pessoa já não é feliz ou a retomar relações do passado, apesar de não terem sido satisfatórias e quiçá tóxicas. Destaca-se também a reticência dos casais em procurar a terapia de casal e a terapia individual para trabalhar fragilidades ou traumas vividos na primeira pessoa, mas que impactam a vida a dois. Nos casos em que as pessoas procuram forçar as relações por motivos financeiros, sociais, familiares ou outros, isso traz até maior tensão e sofrimento às partes envolvidas.


A síndrome de "coração partido" é real?


SG: Sim. A síndrome do coração partido diz respeito a uma condição temporária, que dura cerca de duas a quatro semanas, e que afeta a capacidade de o coração bombear sangue de forma eficaz, adequada e sem alterações. É desencadeada por um evento de elevada carga emocional negativa como a perda de uma relação amorosa. Existe um estudo em que foi solicitado a pessoas que tinham vivido recentemente a perda de uma relação íntima que observassem fotografias de quem lhes tinha partido o coração. Paralelamente, com o objetivo de ver as diferenças no cérebro entre a experiência de dor psicológica e física, os voluntários foram também submetidos a momentos de dor física. Os resultados deste estudo revelaram que, quando se pensa na dor emocional da perda, as áreas do cérebro associadas à dor psicológica são exatamente as mesmas que são ativadas em momentos de dor física.


Quais os erros mais comuns de quem está com um "coração partido"?


MP: A psicologia destaca como principais erros, por exemplo, a tendência a adotar

um discurso interno negativo, associado a sentimentos de culpa pela perda e por não ser

suficiente para a outra pessoa; a tendência para alimentar pensamentos ruminativos acerca da perda, como o desejo de responder ao porquê do fim mesmo quando a pessoa já tem uma resposta, mas a qual se recusa a aceitar; a idealização da pessoa perdida, isto é, pensar somente nas características positivas, ignorando totalmente as negativas e todos os aspetos do funcionamento da pessoa perdida que eram incompatíveis com o bem-estar da relação; bem

como não preencher o vazio da perda com novas rotinas e dinâmicas, isolando-se da rede

social, familiar e de todos os espaços de bem-estar emocional.


São comportamentos de autossabotagem...


SG: Sim, sobretudo quando acontecem após um período de maior bem-estar,

motivação e consistência no processo de seguir em frente, em que a pessoa sente que, em

parte, está a virar a página, a construir novas dinâmicas na sua vida e a reconstruir a sua

identidade. Ou seja, a responder a importantes questões como "quem sou eu após esta

relação?", "quem eu era antes de conhecer o meu parceiro?" ou "quem é que eu quero ser no

futuro?".


Numa fase inicial, de menor disponibilidade emocional e, por sua vez, reduzido auto-controlo, pode ser importante usar recursos das redes sociais considerados mais assertivos, como "silenciar" todas as notificações referentes à conta da pessoa perdida ou quiçá desativar a própria conta.

No livro, escrevem que quando estamos de coração partido o nosso cérebro responde da mesma forma que o de uma pessoa viciada em cocaína numa fase de abstinência.


MP: Pela semelhança com os mecanismos psicológicos da adição, existem vários trabalhos que têm vindo a demonstrar esta relação. Tome-se como exemplo uma investigação que evidenciou que, quando estamos de coração partido, o nosso cérebro responde da mesma forma que o de uma pessoa viciada em cocaína numa fase de abstinência de consumo. E existem exemplos claros destas semelhanças. Aquando do fim de uma relação, tende a existir um foco excessivo e obsessivo na pessoa que nos partiu o coração, acompanhado por um enorme desejo de estar com ela. No caso da droga, a pessoa pensa descontroladamente no prazer potenciado pela mesma, acompanhado pelo desejo de consumir. E existem também outros exemplos que são documentados, como dificuldades de atenção e concentração, inquietação, batimento cardíaco acelerado, entre outros.


Temos medo de ficar sozinhos? Medo de não conseguir voltar a amar? Até onde nos podem levar estes anseios?


SG: As investigações têm vindo a identificar inúmeros riscos e consequências associados a este medo. Uma das suas principais consequências remete para a tendência para retomar relacionamentos do passado, ainda que considerados negativos, associados a memórias dolorosas e, em alguns casos, mesmo que tenha sido a própria pessoa a terminar o relacionamento. No entanto, são relações que são consideradas como uma escolha fácil,

minimamente conhecida e que reduz, na visão da pessoa, o risco de terminar sozinha, mesmo

que isso seja uma paulatina condenação à infelicidade. Outra consequência do medo de ficar sozinho é permanecer em relações nas quais a pessoa sente que já não é feliz, que tendem a ser prejudiciais e associadas a uma elevada dependência emocional, mas que é incapaz de terminar e avançar com a sua vida pelo desconforto em imaginar ficar sozinho. Por oposição, pode também acontecer o envolvimento impulsivo em novas relações, pautado por critérios poucos elevados, diversificados e rígidos.


O fim de uma relação amorosa exige um processo de luto?


MP: Sim, na medida em que estamos a falar de uma perda. Existe o processo de luto pelo presente, futuro e até referente ao passado. Ora vejamos: a pessoa perde as dinâmicas do presente, ou seja, todas as rotinas partilhadas com o outro no dia-a-dia; todos os planos para o futuro, como pode ser exemplo casar, fazer uma viagem, ter filhos (o que a psicologia denomina por "luto pelo futuro não vivido3); e também o passado, principalmente quando existe uma traição, em que a pessoa se questiona o que foi verdade ou mentira na relação, há quanto tempo "a outra pessoa existia".


É importante estar em contacto com a dor?


SG: É fundamental para seguir em frente. Mas, naturalmente, não podemos estar constantemente em contacto com a mesma, assim como não podemos fugir do sofrimento ou tentar evitar o contacto com o mesmo. Desta forma, um luto saudável exige uma oscilação entre as esferas "estar em contacto com a dor" e "seguir em frente", ou seja, entre chorar em momentos de mal-estar, em que a pessoa necessita de libertar emoções e momentos em que está com a rede social, a divertir-se e a construir novas rotinas e dinâmicas para preencher o vazio deixado pela perda. E existem ferramentas que permitem que o contacto com a dor seja produtivo, como é o caso da escrita terapêutica. Esta é uma ferramenta que permite uma aproximação à dor altamente benéfico e saudável, pois facilita a libertação emocional e a organização dos pensamentos sobre o processo de luto. Tome-se como exemplo escrever uma carta de despedida ou de uma lista sobre os motivos do término da relação ou sobre as fragilidades do relacionamento para recorrer nos momentos de idealização da pessoa ou da relação perdida.


Para além da escrita terapêutica, que estratégias devemos colocar em prática para enfrentá-la?


MP: A promoção de um discurso interno baseado na autocompaixão e no amor-próprio, recuperando a autoestima que foi roubada pela perda, eliminando pensamentos baseados na autocrítica, responsabilização e punição; preencher os vazios deixados pela perda da relação, criando novas rotinas e dinâmicas, uma nova normalidade, um novo capítulo da história de vida; retirar os pertences que recordam a pessoa perdida e que ativam a dor emocional como as fotografias na casa; e não procurar a pessoa perdida no quotidiano, o que inclui, naturalmente, nas redes sociais.


E quando há traição?


SG: Torna-se particularmente importante não alimentar sentimentos de culpa, que aniquilam a autoestima e impedem a pessoa de seguir em frente pela tendência a potenciar pensamentos "e se…?". Os motivos que levam uma pessoa a trair transcendem a qualidade da relação e não se relacionam, de todo, com o valor de quem é traído. É importante que a pessoa em luto se recorde desta informação e que aprenda a amar-se novamente. Nestas perdas traumáticas tende a ser benéfico recorrer a ajuda psicológica especializada. É igualmente importante não alimentar sentimentos de raiva, impotência e injustiça, de forma a evitar a construção de potenciais planos de vingança que impedem a pessoa de seguir em frente.


Como evitar a tendência para stalkear o ex-companheiro nas redes sociais?


MP: Numa fase inicial, de menor disponibilidade emocional e, por sua vez, reduzido auto-controlo, pode ser importante usar recursos das redes sociais considerados mais assertivos, como "silenciar" todas as notificações referentes à conta da pessoa perdida ou quiçá desativar a própria conta. Se isto não fizer sentido, existem outros passos importantes, como eliminar todas as fotografias com a pessoa perdida das suas redes sociais. Se a relação terminou, deixa de fazer sentido a presença deste tipo de conteúdo. Não raras vezes, a pessoa está a evitar uma mensagem indesejada da pessoa perdida a pedir-lhe que o faça, e é também uma forma de evitar notificação de "memórias" das redes sociais e ser arrebatado com uma fotografia do ex-casal. Desamigar a pessoa perdida das redes sociais diminui também o risco de ver imagens associadas a momentos de bem-estar e lazer e, eventualmente, de ter acesso a informações da nova relação do seu ex-parceiro. Não enviar print screens aos amigos de conteúdos da pessoa perdida também é benéfico, pois tende apenas a alimentar a tristeza, zanga e a presença do outro na vida da pessoa em luto.


Uma das primeiras pistas de que estamos preparados para uma nova relação é quando já não nos sentimos perseguidos pelo medo de ficar sozinho, quando sobrevivemos emocionalmente ao fim de uma relação e já não tememos essa experiência.

É importante estarmos sozinhos após o fim de uma relação?


SG: O estar sozinho é a ferramenta mais eficaz para a libertação do medo da solidão. É a única forma de ter tempo e espaço para a pessoa aprender a amar-se a si própria e, por conseguinte, a amar outro ser humano. E, pensando novamente no tema das bandeiras vermelhas, o risco de ignorar estas pistas é superior quando a pessoa em luto não respeita o seu tempo e espaço, o qual é imperativo para refletir sobre as relações e escolhas amorosas do passado e possíveis motivos que tenham contribuído para ignorar essas red flags lá atrás.. Esse tempo em que a pessoa se permite estar sozinha é de reflexão e auto-conhecimento, aumentando o risco de a mesma evitar tornar-se numa vítima de uma relação tóxica.


Como saber se estamos pronto para uma nova relação? E como perceber se estamos a

"escolher" a pessoa certa?


MP: Uma das primeiras pistas de que estamos preparados para uma nova relação é quando já não nos sentimos perseguidos pelo medo de ficar sozinho, quando sobrevivemos emocionalmente ao fim de uma relação e já não tememos essa experiência. No caso do término por infidelidade, sentir que o fantasma da traição, isto é, todo o conjunto de inseguranças e postura de hipervigilância (estar atento a todas as pistas e sinais de potencial traição, rutura e abandono) já não se encontra presente ou a sufocar a pessoa, é uma bandeira verde em relação à disponibilidade para uma nova relação. Quanto àquela que poderá ser o que designamos por "pessoa certa", será sempre aquela cujo funcionamento, comportamento e atitudes não apresenta nenhuma bandeira vermelha, como as descritas anteriormente, mas também apresenta estabilidade emocional, lealdade e bondade, mentalidade de crescimento – pessoa que tende a apreciar a mudança e a aprendizagem, a correr riscos e a desafiar-se, interpretando o fracasso como um sinal da necessidade de mudança, desenvolvimento pessoal e momentos de crescimento, acreditando que consegue melhorar -, competências de diálogo e capacidade para tomar decisões difíceis em casal, enquanto equipa.


É possível ser-se feliz sozinho?


SG: A resposta é sim. Isto se estivermos a falar em "sozinho" na ausência somente de uma relação amorosa e não na ausência total de relações. Somos seres relacionais que precisamos dos outros para sermos felizes, dada a necessidade de sermos amados por terceiros e a pertença a uma comunidade ou a um grupo para nos sentirmos valorizados e integrados, mas somos capazes de estar sozinhos, na nossa própria companhia e sentir-nos conetados com o mundo, preenchidos, distantes do vazio e do silêncio ensurdecedor que define a solidão. E é essa conexão connosco próprios que nos permite ser felizes na ausência de uma relação amorosa. Ainda assim, é importante recordar que cada um de nós é um ser humano único e, por isso, temos necessidades emocionais e sociais diferentes. Porém, para este bem-estar, enquanto pessoa que toma a decisão de "ficar sozinha", é necessário implementar mudanças na rotina que sejam facilitadoras do autocuidado.


Quando devemos considerar recorrer a ajuda psicológica especializada?


SG: Existem sinais que apontam para a necessidade imperativa de ajuda psicológica, como a incapacidade em manter uma rotina ou de terminar uma tarefa, devido à intensidade do sofrimento; a perceção da vida como vazia ou sem sentido; o predomínio de uma sensação de instabilidade emocional e consequente choro fácil, ou, por oposição, de uma incapacidade em chorar associada a uma sensação permanente de anestesia emocional; e, naturalmente, a presença de ideação suicida e outros comportamentos autodestrutivos, como é exemplo o consumo de álcool e drogas, compulsão alimentar e outro tipo de atitudes autolesivos, como a automutilação. Acrescentaria ainda a presença de sentimentos de amargura, ressentimento e desejo de vingança do outro, assim como o predomínio de sentimentos de culpa e autorresponsabilização pela perda.


Quem pode e deve contactar em caso de necessidade?


Aconselhamento psicológico do SNS 24: 808 24 24 24 selecionar depois opção 4 (24 horas por dia)


SOS Voz Amiga: 213 544 545 | 912 802 669 | 963 524 660 (15:30 à meia-noite e meia)


Conversa Amiga: 925 512 884 | 925 512 887 | 808 237 327 | 210 027 159 (15 às 22 horas)


Telefone da Amizade: 228 323 535 | 222 080 707 (16 às 23 horas)


Escutatório, Linha de apoio psicológico, Fundação S. João de Deus: 924 101 462 (10:30 às 12:30 e das 14:30 às 16:30)

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